terça-feira, 29 de julho de 2014

O dia em que Pablo García destruiu um universo paralelo



Copa América de 2007, na Venezuela. Brasil e Uruguai se enfrentaram em Maracaibo numa das semi-finais, partida que decidiria o adversário da Argentina na grande decisão. Aquela era a primeira competição oficial de Dunga como técnico do Brasil.

Brasil e Uruguai se enfrentaram em Maracaibo, na semi-final da Copa América de 2007.
O jogo entre Brasil e Uruguai terminou empatado em 2 a 2 e foi decidido apenas nas cobranças de pênaltis. Na série de dez cobranças, tudo igual novamente: 4 a 4. Iniciaram-se, então, as cobranças alternadas. E o primeiro a bater foi o volante brasileiro Fernando, que na época jogava no Bordeaux, da França. Ele perdeu o pênalti que tinha tudo pra custar a eliminação do Brasil.
A cobrança seguinte estava nos pés do uruguaio Pablo García. Se ele convertesse a penalidade, o Uruguai venceria a decisão, eliminaria o Brasil e se classificaria para a final contra a Argentina. Mas García acabou chutando a bola na trave e as penalidades seguiram. O Brasil ainda estava vivo na competição.




Gilberto foi o próximo a bater e anotou o seu. Na sequência, o uruguaio Lugano cobrou e o goleiro Doni fez grande defesa, o que garantiu a vitória e classificação brasileira para a final.
O time brasileiro, apesar de toda sua tradição e do peso da camisa, não era o grande favorito ao título. A Argentina estava num momento bem melhor. A campanha das duas na competição era prova disso: O Brasil tinha sofrido uma derrota de 2 a 0 pro México na estreia e se classificou para as quartas-de-final como 2º lugar no Grupo B. Já a Argentina tinha vencido todas as cinco partidas que disputou até chegar na decisão, marcou 16 gols e sofreu apenas 3.
Mas todos sabemos que, no futebol, nem sempre dá a lógica. O Brasil surpreendeu a Argentina na decisão e venceu com autoridade: 3 a 0. Era o segundo título consecutivo do Brasil na competição. Há três anos atrás, na Copa América do Peru, a Seleção venceu a mesma Argentina numa emocionante final que só foi decidida nos pênaltis.

Brasil, campeão da Copa América de 2007, na Venezuela.

A goleada sobre a Argentina não significou apenas mais um título da Copa América e a primeira conquista de Dunga como treinador. Aquela partida também valia uma vaga para a Copa das Confederações de 2009, realizada na África do Sul. Era a única vaga sul-americana em disputa.
Apenas oito seleções disputavam a Copa das Confederações: a anfitriã (África do Sul), a campeã mundial (Itália) e as campeãs continentais das seis confederações associadas à FIFA.
Como o Brasil não era anfitrião e nem campeão mundial, a única forma de assegurar uma vaga no torneio era através do título daquela Copa América de 2007. E o Brasil não apenas disputou a Copa das Confederações de 2009: foi o grande campeão!

Seleção jogou e venceu a Copa das Confederações de 2009.

 Com cinco vitórias em cinco jogos, o Brasil faturou o título do torneio pela terceira vez (as outras duas foram em 1997 e 2005). A Seleção derrotou Egito (4 a 3), Estados Unidos (3 a 0), Itália (3 a 0), África do Sul (1 a 0) e novamente os Estados Unidos, dessa vez na final, por 3 a 2. Foi um título incontestável e que encheu de moral a Seleção de Dunga.
Os títulos da Copa América de 2007 e da Copa das Confederações fizeram de Dunga um dos treinadores da Seleção Brasileira com maior aproveitamento em termos de títulos: dois torneios, dois troféus. Isso sem falar na campanha das Eliminatórias pra Copa do Mundo de 2010, na qual o Brasil obteve a 1ª colocação.

Técnico Dunga ganhou dois títulos em dois torneios com a seleção principal.

A única competição que Dunga perdeu como técnico foram os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008: uma derrota por 3 a 0 para a Argentina nas semi-finais e o consolo da medalha de bronze contra a Bélgica na disputa pelo 3º lugar. Contudo, cabe como ressalva o fato do campeonato olímpico não ser uma competição oficial, e sim um torneio sub-23, sem os principais jogadores.
Quem acompanha futebol sabe que nada mais dá razão a um treinador do que títulos. Quem vence está sempre certo e, quem perde, sai sempre como culpado. Por mais equivocadas que tenham sido as escolhas do treinador campeão, suas convicções e táticas ficam inabaladas e blindadas no caso de um título. E quando um técnico como Dunga acaba ganhando tudo que disputa, chega a ser praticamente impossível tirá-lo do cargo. Foi assim que ele conseguiu o que Mano Menezes, enquanto técnico da Seleção, não foi capaz: manter-se no emprego até a Copa do Mundo.
Mas você lembra como estava a reputação de Dunga após a derrota nos jogos olímpicos de 2008? Eu lembro! Haviam fortes boatos de que ele não continuaria no comando do time em 2009. Uma vitória por 6 a 2 contra Portugal, em um amistoso, acabou sendo uma espécie de fator divisor entre o período de crise que a Seleção enfrentava e uma era fértil, que culminou no título da Copa das Confederações no ano seguinte.

Dunga seguiu comandando a Seleção até a derrota pra Holanda, na Copa de 2010.
 
Agora vamos fazer um exercício de imaginação e voltar lá pro dia 10 de julho de 2007, mais precisamente naquela cobrança de pênalti de Pablo García. Se ele fizesse o gol, o Uruguai se classificaria pra final e o Brasil iria pra disputa do 3º lugar. O Brasil não disputaria a final da Copa América, não teria vencido o torneio, não teria se classificado pra Copa dos Confederações de 2009 e não teria faturado o terceiro título da competição naquela final contra os Estados Unidos. O Brasil passaria o ano de 2009 jogando apenas amistosos e as Eliminatórias pra Copa.
Mas como García errou aquele pênalti, o Brasil seguiu vivo na disputa, passou pelo Uruguai, passou pela Argentina e faturou dois títulos expressivos em dois anos. Não haveria qualquer chance do Brasil ter garantido esses dois troféus caso García tivesse balançado a rede de Doni naquela noite. E Dunga ficaria sem os dois títulos que garantiram seu emprego até julho de 2010.
Ok, essa última informação é imprecisa. Talvez Dunga continuaria no comando do time mesmo sem ter vencido nenhum título. Vai saber. Talvez teria vencido os Jogos Olímpicos por estar "pressionado". Talvez teria vencido a Copa do Mundo em 2010 por ter aprendido com os erros. Talvez seria persistido no erro e não se classificasse pra Copa... Não temos como saber. Mas uma coisa é certa: Não teríamos vencido a Copa América e nem a Copa das Confederações.

O volante uruguaio Pablo García.

Até hoje, a "Era Dunga 2006 - 2010" é lembrada de forma positiva por causa desses dois títulos. Talvez esse fator tenha sido relevante até mesmo na sua recontratação agora, em 2014. Mas é sempre bom a gente lembrar do "e se". E se García tivesse convertido aquele pênalti?
Existem diversos outros exemplos parecidos no futebol, mas esse é o meu preferido. Apenas relembrando alguns:

O histórico pênalti defendido por Galatto em 2005.

1) E se Galatto não tivesse defendido aquele pênalti na lendária "Batalha dos Aflitos"?
O Grêmio passaria mais um ano na 2ª Divisão e sabe-se lá o que iria acontecer depois.

Diego Souza perdeu um gol feito contra o Corinthians, na Libertadores de 2012.
 
2) E se Diego Souza tivesse feito, pelo Vasco, o gol feito que Cássio defendou no final do jogo entre Corinthians e Vasco nas quartas-de-final da Copa Libertadores da América de 2012?
O Vasco poderia ter eliminado o Corinthians naquele dia, o Corinthians não iria vencer a Libertadores e nem o Mundial contra o Chelsea, em dezembro.

O gol do predestinado Giuliano abaixo da neblina de La Plata.
 
3) E se o Giuliano, ex-Inter, não tivesse feito aquele gol salvador contra o Estudiantes em La Plata, debaixo da neblina (Libertadores de 2010)?
O Inter não teria continuado na Libertadores e não teria sido campeão. Também não teria ido pra Abu Dhabi protagonizar aquele papelão contra o Mazembe.


Ainda prefiro o exemplo do García porque foi um fato concreto e "irremediável". Se Galatto tivesse tomado o gol de pênalti nos Aflitos, o Grêmio ainda tinha alguns minutos pra tentar o gol de empate (mesmo com sete jogadores abalados psicologicamente em campo), o que classificaria o time pra Série A. Se Diego Souza tivesse feito o gol no Corinthians, ainda haveriam possibilidades do Timão virar o jogo nos poucos minutos restantes. Se Giuliano tivesse perdido o "gol predestinado" naquela neblina, o Inter poderia ter feito outro logo depois.
O pênalti do García não. Se ele fizesse, a disputa acabaria ali mesmo. Fim de papo! Com a bola rolando, diferente dos pênaltis, qualquer coisa pode acontecer. Portanto, ainda sigo usando esse exemplo quando digo que, no futebol, um simples detalhe pode fazer toda a diferença. Um simples detalhe pode ser um gol de pênalti ou até mesmo uma bola na trave. Lembra do chileno Pinilla, que quase fez um gol no Brasil aos 119 minutos de jogo entre Brasil e Chile na Copa de 2014? Se a bola tivesse ido 12 centímetros (só 12 centímetros!) mais pra baixo, teria sido gol do Chile. O Brasil seria (provavelmente) eliminado nas oitavas-de-final, sem ser estraçalhado pela Alemanha na semi-final. Um simples detalhe!

Pinilla esteve a 12cm de eliminar o Brasil nas Oitavas-de-Final.
Lógico que os títulos da Copa América de 2007 e da Copa das Confederações de 2009 foram apenas os fatos concretos que ocorreram em decorrência daquele pênalti batido por García. Sabe-se lá que outros acontecimentos foram possíveis somente por causa daquilo: Dunga mantido como técnico da Seleção; sucesso de audiência da Copa das Confederações de 2009 (o torneio, sem o Brasil, perderia muito em prestígio); lucros para as emissoras de televisão, para os patrocinadores, para os anunciantes, pra CBF, pra Nike... Aquilo mudou não apenas o percurso na vida dos jogadores e do Dunga, mudou o de muitas outras pessoas também, por consequência. Pessoas que nem acompanham futebol, inclusive. É o famoso “Efeito Borboleta” entrando em ação.
Existe até um campo da física que atribui aos acontecimentos nunca ocorridos o nome de “universos paralelos”. Aqueles eventos que deixaram de acontecer por algum motivo ou por um acaso se tornam situações “alternativas” em nosso universo, mas são assimilados como situações hipotéticas em um outro universo, que não é o nosso. Ou seja, tudo que já aconteceu pertence ao nosso universo, mas tudo que “não aconteceu” existe em uma infinidade (infinidade mesmo) de universos paralelos.

Universo paralelo, até onde sabemos, é tudo aquilo que não existe.
Lógico que existem exemplos muito mais emblemáticos do que esse do García: E se Hitler tivesse sido aceito na Escola de Belas-Artes de Viena? E se Jesus Cristo tivesse fugido da cruz? E se o Rio Grande do Sul tivesse se separado do Brasil? E se o 11 de setembro fosse evitado? E se a sua mãe estivesse com dor de cabeça naquele dia? E se o Big Bang não tivesse acontecido? Existem também exemplos mais banais que, pela lógica, também deveriam gerar universos hipotéticos: E se você tivesse, hoje de manhã, amarrado seus tênis em 9 segundos ao invés de 7? E se você tivesse comido 10g a mais no almoço de ontem? E se tivesse estacionado seu carro 25cm mais próximo da calçada?

O intrigante "Efeito Borboleta".
 
É impossível de imaginar e estipular o que teria acontecido ou evitado apenas perguntando “e se”. Pra quem gosta de discutir a “teoria do caos” e atribuir as causas ao “destino”, esse é um prato cheio. Talvez nem o próprio García tenha se dado conta da enorme responsabilidade que estava nos seus pés naquela noite, em Maracaibo. Tudo o que sabemos é que um universo de transformações, bem diferente deste, acabou explodindo na trave.

Essa cena, de 2009, só foi possível graças ao pênalti perdido por García em 2007.

por Bruno Seidel

Nenhum comentário:

Postar um comentário